17 de set. de 2010

O Parcelamento do Solo Urbano Segundo A Lei 6.766/79 – Lei Lehmann


A partir de 1950, com o crescente êxodo rural em direção às cidades, as terras próximas às áreas urbanas de periferia passaram a ser retalhadas, em uma forma de crescimento urbano que muitas vezes não apresentava condições de receber urbanização futura. A regra era, basicamente, o máximo de lucro sobre a menor área possível. O processo era todo feito abertamente, já que a legislação federal que versava sobre o assunto – o Decreto Lei nº 58/37, tratava basicamente da venda de lotes à prestação, deixando toda a regulamentação urbanística a cargo dos municípios. Nesses últimos, o poder político e a iniciativa privada estavam, via de regra, muito próximos – quando não eram configurados pelas mesmas pessoas – o que fazia prevalecer a não-regulamentação, ou a regulamentação falha, que beneficiam primordialmente o lucro máximo, em detrimento de qualquer preocupação de cunho social-urbanística.

Por iniciativa do ex-Senador paulista Otto Lehmann, em 12 de dezembro de 1979 foi promulgada a lei de parcelamento do solo urbano – Lei federal nº6.766, idealizada o intuito de regulamentar a atividade da produção do espaço urbano no Brasil, que não contava até então com uma legislação federal unificadora de conceitos e modelos ligados diretamente ao Urbanismo, especialmente ao chamado parcelamento do solo urbano.

A lei foi estruturada em nove capítulos, sendo o primeiro denominado “disposições preliminares”. Esse capítulo conceitua os dois únicos processos pelo qual pode ser feito o parcelamento do solo – o loteamento e o desmembramento:

Art. 2º - O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes.

§ 1º - Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.

§ 2º - considera-se desmembramento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.

O loteamento caracteriza-se pela subdivisão de uma gleba em lotes destinados à edificação, com a criação de novos logradouros públicos e vias de circulação (PÚBLICO), que devem obrigatoriamente dar acesso aos lotes (PRIVADO). Sua origem como conceito é muito anterior à Lei Lehmann. Segundo Batalha (1953):

O loteamento é uma operação de facto, que se utiliza dos dados técnicos da agrimensura. Consiste em dividir área ou gleba em outras tantas porções autônomas, com possibilidade de vida própria. Ao partir ou dividir certa extensão territorial em lotes, na esfera dos factos, deve-se ter em vista a viabilidade desses lotes, a possibilidade de sua existência autônoma, precìpuamente no que tange às vias de comunicação.



Figura 1 – Representação esquemática de um desenho urbanístico referente a um processo de loteamento.

O desmembramento, por sua vez, é o processo de subdivisão de uma gleba em lotes, porém sem a criação ou modificação de área pública, ou seja, é uma intervenção - basicamente cartorial - apenas em áreas privadas, ainda que sejam destinadas áreas para a implantação de equipamentos públicos – áreas institucionais:


Figura 2 – Representação esquemática de um desenho urbanístico referente a um processo de desmembramento.

As disposições preliminares ainda definem o conceito “lote” como a unidade territorial urbana básica, servida de infraestrutura. Define também os padrões dessa infraestrutura e, por último, proíbe a ocupação em áreas em que a ocupação humana pressupõe a degradação ambiental e a baixa qualidade de vida: áreas sujeitas a alagamentos, contaminadas, de alta declividade, com baixo suporte do solo (terreno mole) e de preservação ecológica.

De maneira explícita, o loteamento é colocado como o único processo pelo qual um parcelamento do solo - entendido aqui como produção de novas áreas urbanizadas - poderia ser concretizado. É uma figura jurídica abrangente, que pretendia aglutinar todas as formas de produção do espaço urbano existentes até então. Porém, o que se vê na produção imobiliária é uma multiplicidade de processos e métodos que pouco ou nada têm a ver com o processo definido pela lei federal. Dentro do mercado informal, pode se destacar as ocupações, loteamentos clandestinos, favelas, entre outros. Dentro do mercado formal, o condomínio horizontal – vinculado ou não às edificações; a subdivisão de glebas estritamente cartorial (com “doação direta” de áreas públicas ao patrimônio municipal) e, inclusive, a criação de sistema viário através de “declaração de utilidade pública”, o que cria novas “frentes públicas” para a implantação de empreendimentos. 

Sem a adoção formal do processo de parcelamento do solo como um processo de loteamento, todos os índices e requisitos urbanísticos, cartoriais, de comercialização e de securitização do adquirente – definidos no decorrer do texto da lei 6.766 - caem por terra, pois são índices referentes a esse processo.

Postado por Thiago Amin, Arquiteto Urbanista

13 de set. de 2010

Urbanização e a taxa de utilização decrescente



As áreas urbanas brasileiras estão ficando mais feias, comparadas à 40 anos atrás. Os edifícios são caracterizados por uma grande falta de personalidade, e a sobreposição de estilos e tipologias fica cada vez mais esdrúxula. O fenômeno poderia ser explicado a partir da hipótese da perda de relevância do arquiteto como definidor do meio urbano, ou ainda pela decadência e a baixa capacitação da própria classe profissional. Numa análise preliminar, os arquitetos estariam se esquecendo que sua obrigação fundamental é dar ordem aos espaços que abrigam as atividades humanas, e não usar irresponsavelmente os recursos alheios como veículos de auto-expressão.

Esse fenômeno, porém, pode ter raízes um pouco mais complexas. Podemos estar vendo a “ponta do iceberg” de um processo mais amplo, um desdobramento natural da inserção da produção do meio urbano na lógica do capitalismo avançado. István Mészáros, em sua abrangente análise sobre o sistema capitalista global, identificou o fenômeno denominadotaxa de utilização decrescente”, ou seja, a diminuição gradual do “tempo de vida” de uma classe ou categoria de bens de consumo (duráveis ou não): “em sua tendência geral, o modo capitalista de produção é inimigo da durabilidade e, portanto, no decorrer de seu desdobramento histórico, deve minar de toda maneira possível as práticas produtivas orientadas-para-a-durabilidade, inclusive solapando deliberadamente a qualidade”.

Por durabilidade, ou a falta dela, entendemos a deterioração prematura de um produto de consumo. Porém, podemos ampliar o conceito para uma ‘durabilidade formal ou estilística’; nesse caso, relevante à arquitetura e à produção do espaço urbano. Conforme a citação de Gabbage, na mesma obra de Mészáros, “os artigos ficam velhos ou pela deterioração propriamente dita ou pelo desgaste de suas partes; por melhorias na maneira de construir; ou por modificações na forma e no estilo, exigidas pelo gosto variável da época”.

A “sociedade dos descartáveis” reverteu a lógica do aperfeiçoamento da produtividade, criando um equilíbrio entre produção e demanda baseado em um consumo-e-descarte artificial e de grande velocidade, de uma imensa quantidade de mercadorias, categorizadas até recentemente como bens relativamente duráveis. Podemos deduzir que, ao avançar em direção a um estágio mais ‘avançado’, o mercado imobiliário passa a introduzir técnicas de gestão, desenvolvimento e produção de imóveis que nada tem (ou tinham) a ver com o seu ramo de atividade. De maneira geral, é possível notar nas incorporadoras e construtoras uma forte orientação em direção ao marketing, como definidor das soluções arquitetônicas e estilísticas, em detrimento das soluções geradas a partir de conceitos típicos da arquitetura, como conforto térmico, significado cultural, qualidade de vida, entre outros. Em suma, trata-se a arquitetura e o urbanismo como um objeto de consumo, como um tênis, um carro, uma roupa ou um sanduíche do Mcdonald’s.

Também é notável a apropriação, por parte das empresas do setor imobiliário, de estratégias comerciais e de produção do setor varejista popular, que visam diminuir ao máximo o custo do empreendedor. Segundo o portal da revista Exame, uma importante empreendedora presente no mercado brasileiro, “construtora que prosperou nos últimos anos vendendo imóveis para consumidores de baixa renda (...), decidiu simplesmente copiar as duas companhias brasileiras que considerava modelo no mercado: a Casas Bahia e o Habib's. Da rede fundada por Samuel Klein, (...) apreendeu que vender para a base da pirâmide requer produtos honestos com prestações que caibam no bolso do consumidor, mesmo que o valor final fique muito acima do cobrado à vista. As parcelas dos imóveis não passam de 400 reais mensais, e o pagamento leva até dez anos. Do Habib's, rede de fast food de comida árabe, a empresa copia a padronização, uma forma de baixar custos. Todas as casas e os apartamentos seguem o mesmo projeto -- o que, apesar de tedioso, diminui em mais de 10% o gasto com engenheiros e arquitetos. Além disso, (...) fechou acordos com fornecedores para a produção de materiais sob medida, o que reduz o tempo da construção em até 50%. Com esse modelo de negócios copiado de companhias que nada têm a ver com seu ramo de atividade, fechou 2006 com vendas de 300 milhões de reais.

Não é difícil perceber a conexão entre a dominação do projeto arquitetônico pelo marketing das empresas, e as estratégias de produção de baixo custo descritas acima. Apesar de serem ações que buscam aparentemente fins distintos, elas parecem se encaixar em uma lógica de mercado que até pouco tempo atrás não fazia parte das empresas construtoras do ambiente urbano. A avaliação técnica e comparação das novas edificações com empreendimentos feitos em outras épocas, do ponto de vista técnico-construtivo, poderia nos levar à conclusão que a “durabilidade” do ambiente construído está diminuindo, o que confirmaria a teoria de Mészáros aplicada sobre o mercado imobiliário, na vertente mais tradicional do conceito de durabilidade. Obviamente, a comparação de vida útil de edifícios, do ponto de vista construtivo, é difícil de ser feita.

            Uma terceira nuance do fenômeno pode ser identificada em respeito à “utilidade” do produto imobiliário em si. Nesse caso, é possível verificar uma ligação entre a especulação imobiliária e a taxa de utilização decrescente: grande parte dos lançamentos imobiliários são comercializados através de um “pré-lançamento”, onde um seleto grupo de “consumidores” - no sentido puramente comercial da palavra – é convidado para uma reunião fechada onde as unidades imobiliárias são ofertadas. Esse seleto grupo muitas vezes adquire todas as unidades, e as reserva na busca de uma valorização futura; outras vezes, somente as vêem como aplicações financeiras de baixo risco, especialmente em épocas de economia turbulenta. Assim, a “utilidade” do produto imobiliário, especialmente o residencial – moradia, abrigo - se coloca em segundo plano. Segundo Raquel Rolnik, em entrevista cedida à Manoel Lemes da Silva Neto em 26 de agosto de 2008: “Como nós, que temos no Brasil 6 milhões de casas e apartamentos vazios e 7 milhões de favelados!”. Essa constatação pode levar à conclusão que grande parte dos imóveis residenciais produzidos no Brasil recentemente não tem a finalidade de abrigar pessoas, mas de serem “consumidos” com outras finalidades, às vezes totalmente avessas à ocupação real. Sua utilidade se aplica, na melhor das hipóteses, marginalmente.

            Obviamente é irrelevante, inútil e injusto julgar pessoas e incutir responsabilidades quanto ao desenvolvimento desse processo. Trata-se de um fenômeno econômico-social, onde as pessoas são apenas pequenas engrenagens de uma gigante máquina irracional chamada mercado imobiliário. Os diretores são funcionários, que muitas vezes são originários de outros setores do mercado, sem qualquer vínculo com o produto criado, e têm sua sobrevivência no cargo atrelada à metas e resultados. Não se trata de um complô de velhinhos malvados contra o bem-estar das cidades. Mas o fato é que a lógica da taxa de utilização decrescente, ao ser aplicada ao mercado imobiliário, gera produtos que seriam descartáveis, se não fossem eles os elementos construídos que compõem o ambiente urbano:

“como se pode tratar um edifício como objeto de consumo, adotando a última moda ou "tendência" e tratando sua organização e aparência de maneira leviana? Uma roupa de corte fora de moda pode ser descartada facilmente, um carro já é mais difícil, um edifício é impossível. O projeto arquitetônico que segue a moda pode até ser o sucesso de hoje, mas com mais certeza será o embaraço de amanhã, e o ridículo de depois de amanhã. Tratar a arquitetura como algo passível de ser consumido termina por tornar a própria disciplina obsoleta, enquanto seus produtos permanecem como monumentos à estupidez humana.” Mahfuz (2001, s/n).

11 de jun. de 2010

Infraestrutura verde - complemento



O Departamento Ambiental do município de Portland, Oregon, disponibilizou na web um estudo sobre as biovaletas, infraestrutura verde e as técnicas de Ecoroof, chamado "telhado verde" no Brasil. Veja aqui!


Antes de utilizar qualquer dimensionamento indicado no estudo, vale a pena lembrar que estamos em um país tropical, onde os índices pluviométricos são bem mais acentuados que no hemisfério norte. Lembrando também que as medidas estão no sistema Imperial.

Por Tiago Pereira - Altea Urbanismo

8 de jun. de 2010

Condomínios de Campinas: imaginário coletivo, políticas públicas e mercado imobiliário.

    Resultado direto do fenômeno da urbanização dispersa, a região norte de Campinas é caracterizada por um grande eixo rodoviário – a Rodovia Dom Pedro I, que amarra eixos transversais secundários que estruturam, em grande número, bolsões residenciais caracterizados por controles ou restrição de acesso. Esses bolsões começaram a ser implantados nos anos 1990, em um fenômeno acelerado, que, a princípio, conformava organismos estranhos dentro do tecido urbano (ou periurbano) do município, porém gradativamente se incorporaram à paisagem até se tornarem hegemônicos e esperados, como lançamentos imobiliários, pelos cidadãos na expansão do tecido urbano dessa região (e, gradativamente, de outras regiões).


    Atualmente, várias ações visam dificultar e coibir as iniciativas do mercado imobiliário na conformação dos bolsões residenciais, principalmente no âmbito do direito urbanístico e da gestão pública. Essas ações podem ser institucionalizadas, através de leis, normativas ou determinações, ou através da manipulação do poder de aprovação do agente público. Porém, sob outro ponto de vista, é importante entender o funcionamento da máquina irracional que chamamos “mercado imobiliário”, para compor possíveis políticas que mudem o cenário atualmente predominante, de maneira mais eficiente.

    O imaginário coletivo referente a esses empreendimentos, precisamente, é um tema caro ao entendimento do fenômeno no seu estágio atual. Coloquialmente chamados de “condomínios”, esse modelo de urbanização é entendido pelo mercado como um paradigma de consumo, um produto, por assim dizer, que é almejado por diferentes classes (predominantemente pelas mais próximas do topo da pirâmide social) como um ambiente residencial diferenciado, a salvo dos perigos da cidade contemporânea, onde a cidade de Campinas é o que ela deveria ser, e não o que ela é. Os argumentos de incentivo à compra de lotes dentro dos muros dos “condomínios” são fáceis e consistentes: segurança, exclusividade, acesso rodoviário fácil (importantíssimo em uma área marcada pela urbanização dispersa) confortos comunitários que incluem áreas de lazer e esporte, serviços de manutenção de áreas comuns eficientes e, por último, status social. O habitante dessas áreas é percebido pelos demais cidadãos de maneira diferenciada, em um degrau acima na pirâmide social, mesmo que o seu padrão de renda seja equivalente.

    Assim, pode-se entender que o fenômeno dos “condomínios” em Campinas tem mais de uma natureza motivacional, e aqui teremos a audácia de enumerá-los dentro de uma escala de “importância mercadológica”: medo da violência urbana, acessibilidade em relação a diferentes destinos na região metropolitana, desejo de visibilidade social e desejo de conveniências. Essas naturezas, por sua vez, soam antagônicas. O medo da violência urbana é um fenômeno que leva, seguindo um raciocínio lógico, à introspecção e à não-ostentação de uma vida luxuosa, especialmente em uma cidade marcada pela grande quantidade de crimes contra o patrimônio. Porém, uma vez habitando dentro de um “condomínio”, a visibilidade social do morador aumenta exponencialmente, e ele é percebido como uma pessoa de posses pelos habitantes extra-muros (e, também, intra-muros). Portanto, mais sujeito a uma abordagem violenta – dentro ou fora de seu bolsão residencial.

    Essas “naturezas motivacionais”, que geram o desejo de consumo do produto imobiliário “lote em condomínio” são entendidas pelo mercado como um paradigma estático, fora do qual qualquer produto diferente e/ou concorrente – dentro dessa tipologia - está fadado ao fracasso comercial. Assim, podemos deduzir algumas perguntas básicas que poderiam motivar um novo paradigma: Como oferecer a sensação de segurança que um muro perimetral e uma portaria oferecem? Como disponibilizar a facilidade de acesso à diferentes partes da cidade que um empreendimento às margens da rodovia disponibiliza? Como oferecer um lote residencial em uma área “aberta” que goze de “status” equivalente? Como oferecer confortos de lazer e esporte que se equiparem aos mantidos por uma associação de proprietários?

    Essas perguntas não necessariamente correspondem à necessidades reais ou práticas do público-consumidor dos “condomínios”, ou ainda talvez não existam respostas no momento para elas, porém são importantes para entender o processo contínuo, circular e retroalimentador desejo/demanda/produção/consumo, que regem todas os setores do mercado capitalista – dentro do qual o mercado imobiliário está inserido. Assim, coibir a implantação de muros perimetrais, de portarias, de modelos de urbanização com controle ou restrição de acesso em geral, através de leis e regulamentações urbanísticas restritivas, ou seja, coibir a produção de “condomínios” residenciais, pode ser comparado à coibir a produção e comercialização de bebidas alcoólicas ou de drogas em geral, obviamente utilizando-se de uma metáfora. A criação de uma lei que proíba definitivamente a produção de “condomínios”, sendo ela municipal, estadual ou federal, pode ser entendida, sob esse ponto de vista, como uma “lei-seca”.

    Por outro lado, regulamentar definitivamente tais modelos de urbanização da maneira como são implantados, ou ainda, legalizar a produção de sistema viário e áreas de convívio privadas – como está sendo proposto no projeto de lei federal da responsabilidade territorial (que substituirá a lei Lehmann), através da figura do condomínio urbanístico – podem ser extremamente prejudiciais a longo prazo, criando enclaves privados de grandes proporções, totalmente legais e irreversíveis do ponto de vista fundiário. Hoje, ainda que a regulamentação não exista ou exista de maneira precária, a chamada “apropriação de área pública por uma determinada classe social” pode ser revertida à sua ordem normal em um momento de maior bonança social.

    O resultado de políticas legislativas repressivas sobre a produção de bens que visam atender demandas e desejos poderosos do imaginário coletivo (sendo ou não criados por mecanismos perversos da sociedade capitalista) são bastante questionáveis, e a eficácia dessas políticas é sempre relativa. A aceitação plena de tais desejos, por outro lado, mesmo que resolvam o problema jurídico, acarretará enormes prejuízos para o tecido urbano e a boa forma da cidade, além de estratificar um paradigma do mercado imobiliário, decorrente de um momento histórico difícil, como um monumento urbano - em sentido pejorativo - que atravessará gerações, ainda que o ambiente social melhore em termos de integração, segurança pública, qualidade de serviços, entre outros.

    Assim, pode-se concluir que a mudança do modelo de urbanização voltada para as classes mais abastadas, no município de Campinas, está mais ligada a uma mudança do imaginário coletivo e de paradigma de mercado imobiliário, ou seja, mudanças estruturais de longo prazo, do que em políticas públicas relacionadas ao direito urbanístico, à repressão ou ao entendimento jurídico das ações do mercado imobiliário.

Por Thiago Amin - Altea Urbanismo