A partir de 1950, com o crescente êxodo rural em direção às cidades, as terras próximas às áreas urbanas de periferia passaram a ser retalhadas, em uma forma de crescimento urbano que muitas vezes não apresentava condições de receber urbanização futura. A regra era, basicamente, o máximo de lucro sobre a menor área possível. O processo era todo feito abertamente, já que a legislação federal que versava sobre o assunto – o Decreto Lei nº 58/37, tratava basicamente da venda de lotes à prestação, deixando toda a regulamentação urbanística a cargo dos municípios. Nesses últimos, o poder político e a iniciativa privada estavam, via de regra, muito próximos – quando não eram configurados pelas mesmas pessoas – o que fazia prevalecer a não-regulamentação, ou a regulamentação falha, que beneficiam primordialmente o lucro máximo, em detrimento de qualquer preocupação de cunho social-urbanística.
Por iniciativa do ex-Senador paulista Otto Lehmann, em 12 de dezembro de 1979 foi promulgada a lei de parcelamento do solo urbano – Lei federal nº6.766, idealizada o intuito de regulamentar a atividade da produção do espaço urbano no Brasil, que não contava até então com uma legislação federal unificadora de conceitos e modelos ligados diretamente ao Urbanismo, especialmente ao chamado parcelamento do solo urbano.
A lei foi estruturada em nove capítulos, sendo o primeiro denominado “disposições preliminares”. Esse capítulo conceitua os dois únicos processos pelo qual pode ser feito o parcelamento do solo – o loteamento e o desmembramento:
Art. 2º - O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes.
§ 1º - Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.
§ 2º - considera-se desmembramento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.
O loteamento caracteriza-se pela subdivisão de uma gleba em lotes destinados à edificação, com a criação de novos logradouros públicos e vias de circulação (PÚBLICO), que devem obrigatoriamente dar acesso aos lotes (PRIVADO). Sua origem como conceito é muito anterior à Lei Lehmann. Segundo Batalha (1953):
O loteamento é uma operação de facto, que se utiliza dos dados técnicos da agrimensura. Consiste em dividir área ou gleba em outras tantas porções autônomas, com possibilidade de vida própria. Ao partir ou dividir certa extensão territorial em lotes, na esfera dos factos, deve-se ter em vista a viabilidade desses lotes, a possibilidade de sua existência autônoma, precìpuamente no que tange às vias de comunicação.
Figura 1 – Representação esquemática de um desenho urbanístico referente a um processo de loteamento.
O desmembramento, por sua vez, é o processo de subdivisão de uma gleba em lotes, porém sem a criação ou modificação de área pública, ou seja, é uma intervenção - basicamente cartorial - apenas em áreas privadas, ainda que sejam destinadas áreas para a implantação de equipamentos públicos – áreas institucionais:
Figura 2 – Representação esquemática de um desenho urbanístico referente a um processo de desmembramento.
As disposições preliminares ainda definem o conceito “lote” como a unidade territorial urbana básica, servida de infraestrutura. Define também os padrões dessa infraestrutura e, por último, proíbe a ocupação em áreas em que a ocupação humana pressupõe a degradação ambiental e a baixa qualidade de vida: áreas sujeitas a alagamentos, contaminadas, de alta declividade, com baixo suporte do solo (terreno mole) e de preservação ecológica.
De maneira explícita, o loteamento é colocado como o único processo pelo qual um parcelamento do solo - entendido aqui como produção de novas áreas urbanizadas - poderia ser concretizado. É uma figura jurídica abrangente, que pretendia aglutinar todas as formas de produção do espaço urbano existentes até então. Porém, o que se vê na produção imobiliária é uma multiplicidade de processos e métodos que pouco ou nada têm a ver com o processo definido pela lei federal. Dentro do mercado informal, pode se destacar as ocupações, loteamentos clandestinos, favelas, entre outros. Dentro do mercado formal, o condomínio horizontal – vinculado ou não às edificações; a subdivisão de glebas estritamente cartorial (com “doação direta” de áreas públicas ao patrimônio municipal) e, inclusive, a criação de sistema viário através de “declaração de utilidade pública”, o que cria novas “frentes públicas” para a implantação de empreendimentos.
Sem a adoção formal do processo de parcelamento do solo como um processo de loteamento, todos os índices e requisitos urbanísticos, cartoriais, de comercialização e de securitização do adquirente – definidos no decorrer do texto da lei 6.766 - caem por terra, pois são índices referentes a esse processo.
Postado por Thiago Amin, Arquiteto Urbanista